Fichamento de
Ásta, Social Kinds

Tipos Sociais (Social Kinds), definição: Uma coleção de fenômenos definidos por uma propriedade ou traço que sejam sociais.
Exemplos: dinheiro, raça, recessão, refugiados e qualquer outro termo usado para explicar fenômenos sociais.
A definição é ampla pois é aquela com a qual Ásta começa a investigação. Assim, ela pode permanecer aberta sobre as questões mais controversas sobre os tipos naturais. Dentre essas, ela explora:
1) O que faz um tipo social ser um tipo?
2) O que faz um tipo social ser social?
3) Tipos sociais são reais e objetivos?
4) Tipos sociais são compatíveis com o naturalismo?

1. O que faz um tipo social ser um tipo?

Ela nega o realismo (membros de um tipo social partilham uma mesma essência) e o nominalismo (tipos sociais são apenas conjuntos arbitrários). Afinal de contas, se é difícil aceitar que haja uma essência que toda pessoa que se identifique como ‘liberal’ partilhe, também é difícil aceitar que esse e outros tipos sociais mais úteis nas nossas explicações de comportamento social sejam tão arbitrários como grupos do tipo ‘alunos canhotos da quinta série’.

Ela seleciona duas opções mais plausíveis
Tipo Social Deflacionário: um tipo social é uma coleção de fenômenos que figuram em alguma explicação social.
Tipo Social Causal: uma coleção de fenômenos que tenham algum papel causal na explicação social.

Pensemos no uso técnico do termo ‘fisionomia/ frenologia’ em que se tenta identificar as personalidades das pessoas, em especial, dos criminosos, a partir de traços do seu rosto. No século 19 se aceitava essa abordagem, portanto, um tipo social como ‘rosto de criminoso’ se encaixaria em uma definição deflacionária do tipo social. No entanto, depois de algum tempo provou-se a falha desse método na identificação de criminosos. Portanto, uma vez que não há ligação causal, esse tipo social não se encaixa na segunda definição que é mais exigente (Hoje em dia, há testes com Inteligência Artificial que se valem de métodos similares).

2. O que faz um tipo social ser social?

a. Tipos sociais como dependentes da descrição

Hacking propõe que um tipo social depende de haver uma descrição aceita do tipo em questão. Surgiriam duas opções:

Concepção ampla: existe o conceito que descreve o tipo social, ainda que os membros do grupo ao qual o termo se refere não se identifiquem com ele.
Concepção estrita: existe o conceito que descreve o tipo social e os membros do grupo ao qual o termo se refere estão cientes (e se identificam com ele).

Na concepção acima não podemos falar de gays na Grécia antiga porque esse conceito não existia. Na concepção estrita só podemos nos referir a alguém que é gay se a pessoa se identifica como tal. Já na concepção ampla pode se identificar que alguns comportamentos fazem parte do movimento gay mesmo se os participantes não estejam cientes disso. Ademais, podem haver casos em que terceiros cunham ou identificam um termo para um tipo social e depois aqueles a quem o termo se referem o aceitam. Talvez o exemplo mais conhecido, e mais trágico, (ainda que não seja consensual entre os historiadores) seja da divisão entre Tutsi e Hutus em Ruanda É muito comum que o termo comece aplicado de uma forma depreciativa e depois o grupo o abrace como parte da sua identidade.

Porém, Asta nota que em tal concepção não pode haver um fenômeno como ‘recessão’ (que é um tipo social) sem haver o conceito de recessão. Porém, parece legítimo que historiadores expliquem certas migrações antigas por causa de recessões. Logo, a definição de tipo social deve ser mais ampla.

b. Tipos sociais dependentes de atitudes subjetivas.

Searle disse que os tipos sociais são ontologicamente subjetivos e epistemologicamente objetivos. Isso quer dizer que para um tipo social existir ele depende que haja alguém que acredite nele. Por outro lado, conhecer as propriedades desse tipo social é algo que se pode fazer de maneira objetiva e não depende das crenças de ninguém. Para existir dinheiro é preciso que as pessoas acreditem que um pedaço de papel tem um certo valor, mas não é a crença das pessoas que confere o valor a cada nota de dinheiro.

Asta prefere distinguir entre propriedades institucionais e propriedades comunais. As institucionais, como o dinheiro, ganham significado social quando são instituídas por alguma autoridade. As comunais, como rosa é cor de menina, é instituída pela opinião das pessoas em uma comunidade.

Ainda assim, esses casos não são exaustivos. Mais uma vez o contraexemplo é o da recessão que parece ser definida matematicamente.

c. Tipos sociais como lugares de hierarquia social

Há quem adote uma postura exclusivamente ligada ao status social para se pensar os tipos sociais. Para Haslanger os tipos sociais dependem dos membros ocuparem alguma posição social e dependem do comportamento inconsciente das pessoas. Assim, para se pesquisar um tipo social não se deve olhar para o sujeito, mas antes para as práticas sociais. O conceito de viúva, por exemplo, não pode ser entendido sem se verificar se há algum tipo de dogma que muda a atitude das pessoas diante de quem se tornou uma viúva.

3 Tipos sociais são objetivos e reais?

Tipos sociais, segundo a maioria, dependem existencialmente nas atitudes e comportamentos das pessoas. No entanto, isso não quer dizer que não possamos fazer pesquisas empíricas e descobrir os fatos sobre eles. Eles são epistemologicamente objetivos.

Sobre a existência dos tipos sociais,as opções de ontologia mais defendidas são:
Nominalismo dinâmico: a existência depende da descrição e dos membros do grupo que o termo se refere. É dinâmico porque podem vir a ser e deixar de existir (Hacking).

Nominalismo de aparência: Haveria um caso paradigmático que determina que tudo aquilo que se parece com esse caso é um membro do grupo referido por um termo. Haveria um caso paradigmático de mulher que determina que tudo que se pareça suficientemente com ela seja uma mulher (Stoljar).

Realismo crítico: Apesar de serem construídos socialmente, os tipos sociais são tipos reais, em que ‘real’ quer dizer aptos a serem portadores de verdade. Isso independe dos nossos termos, nomes e conceitos para eles (Haslanger).

Acho que poderia ter uma fonte maior de possibilidades. Por exemplo, me parece que tampouco essa última opção seja suficiente para entender tipos sociais como a recessão. Talvez eles exijam uma análise separada.

4 Tipos sociais são compatíveis com o naturalismo?

Um naturalista estrito não aceitaria a postulação de normas de comportamento, que fundamentam os tipos sociais. Porém um naturalista mais amplo aceita que tudo que objeto das ciências naturais deve fazer parte da nossa ontologia. Como existem pesquisas empíricas que revelam como tais normas sugiram e como elas operam, isso bastaria para naturalizar os tipos sociais sem ter que aceitar a existência de normas que transcendem os sujeitos.



Um fichamento de
The Idea of Moral Progress, Michele Moody-Adams


A proposta de Moody-Adams é apresentar uma defesa da possibilidade de progresso moral sem precisar satisfazer a necessidade, colocada pelos críticos, de que, para tanto, seria preciso antes ter descoberto um padrão objetivo com o qual julgar a correção moral. Primeiro ela mostra o porquê, depois como e, por fim, quem deve fazê-lo.

Porquê?

Segundo Moody-Adams,
(a) Conceitos morais como ‘justiça’, ‘liberdade’ e ‘compaixão’ possuem uma profundidade semântica ligada aos estados de mundo ao qual elas se referem.
(b) Aprofundar a nossa compreensão desses conceitos consiste em entender melhor o seu grau de aplicação a um estado de mundo particular.
(c) O aprofundamento é sempre local já que ocorre em vista de estados de mundo particulares
(d) Esses estados de mundo, no entanto, possuem uma complexidade ilimitada que
(d1) impede uma compreensão total
(d2) garante que haverá sempre lugar para aprofundar a compreensão.
(e) O sucesso no nosso aprofundamento semântico consiste em captar melhor a nossa experiência daquilo a que o conceito de refere.
(f) O progresso moral na prática acontece quando um entendimento mais profundo de um conceito moral é realizado em comportamentos individuais ou em instituições sociais.

A partir de um exemplo citado em várias partes por ela podemos construir uma linha que ilustra o processo:
Veja como (c) é o que devia ser ultrapassado e que (e) e (f) atestam que (c) foi ultrapassado tanto na convenção social quanto nas leis (ainda que ocorram violações dessas que ainda precisam ser combatidas).
Note ainda que d1 mostra que, apesar do aprofundamento, não se chegou a uma compreensão perfeita do que é igualdade (social).

Como?

Moody-Adams adota uma visão não-inovadora e não-principial do progresso moral. Isso quer dizer que, para ela, o progresso moral não parte de inovações ou criações de novas ideias morais, mas sim pelo aprofundamento de ideias morais já correntes. Ademais, o aprofundamento não deve se guiar pela busca de princípios mais sofisticados, mas antes pela noção complexa de conceitos morais correntes. Vamos ver essas duas características separadamente.


Aprofundamento vs. Inovação

Duas hipóteses competem para se entender como aconteceria o progresso moral:

i) Inovação: para avançar a moralidade é preciso de criar novas ideias morais. Slote, por exemplo, acha que para questionar a escravidão e fundar o feminismo foram precisos novas ideias morais. A fonte dessas inovações seriam os filósofos morais, como o utilitarismo no século 19.

ii) Aprofundamento: Moody-adams diz que a maioria dos filósofos morais apresenta seu processo como reformulações de elementos centrais da consciência moral do seu tempo. Mill, por exemplo, disse que o utilitarismo revela os compromissos regulativos da tradição judaico-cristã que tinha ajudado a definir a moralidade convencional até o século 19 como ‘amar teu vizinho como a ti mesmo’.

Utilizar uma abordagem do aprofundamento para entender o progresso moral não implica que não haja inovação. A diferença está apenas no lugar em que ela ocorre. Moody-Adams opõe a criação de ideias morais fundamentalmente novas em (i) à geração de novos insights morais fundamentados nas ideias morais correntes em (ii). Assim, aprofundar abre uma nova dimensão à qual não se tinha acesso, mas sempre fundamentado por ideias que já eram correntes na comunidade em que elas ocorrem.

É fácil verificar como a abordagem do aprofundamento se encaixa melhor no projeto de Moody-Adams.

Em (e) acima podemos ver que o valor de sucesso (adaptando a noção de valor de verdade) é fornecido por ‘captar melhor a nossa experiência’. Ideias morais fundamentalmente novas não teriam como refletir essa experiência coletiva.

(Os candidatos para a referência desse ‘nossa’ são dois. Por um lado, ela afirma que o pedido de progresso moral deve sair de grupos que, no presente, sofrem com uma concepção injustificadamente restrita/ excludente de uma noção moral. Por outro lado, esse ‘injustificadamente’ deve ser reconhecido pelos outros (ou seja, aqueles que não sofrem com essa concepção). Portanto, parece que o ‘nossa’ deve se referir, no mínimo, também a uma vanguarda moral que adota precocemente os novos insights morais. Infelizmente isso não é bem resolvido no texto.

Em (f) encontramos um tipo de medidor de sucesso do progresso moral. Esse medidor, segundo Moody-Adams, é a mudança de comportamento de indivíduos ou instituições de modo a aceitar o novo insight moral. Mais uma vez, esse aspecto combina melhor com uma abordagem de aprofundamento interno do que inovação externa já que é muito mais provável que as pessoas aceitem novos comportamentos que façam sentido em vista das suas noções fundamentais do que rupturas extremas.

Conceitos vs. Princípios

Uma vez que se aceita a posição do aprofundamento como operante no progresso moral, temos uma subdivisão:

Por princípios: Raz defende que as unidades inovadoras do processo de aprofundamento moral são os princípios. Essa postura parece se encaixar no caso de Mill já que os compromissos regulativos citados por ele parecem ser princípios, e, mais importante, no utilitarismo o que guia o desenvolvimento moral é o princípio de, a cada ocasião, fazer a escolha que gere a maior felicidade em geral.

Por conceitos: Outra possibilidade é pensar os conceitos morais como as unidades-base do processo de inovação. Nessa abordagem, se aceita que esses conceitos possuem uma complexidade irredutível a princípios básicos ou regras simples. Esses conceitos ou ideias morais seriam os referentes de termos como ‘justiça’, ‘compaixão’ e similares. Operar com base nos conceitos não exclui o uso de princípios para se aprofundar na sua compreensão, o erro seria apenas tentar encontrar um princípio único que dê conta de cada um dos conceitos (ou deles todos).

Moody-Adams acredita que operar com base na noção complexa de conceitos é a melhor opção. Isso se encaixa na constatação de que os estados de mundo aos quais eles tentam se referir possuírem uma complexidade ilimitada em (d). Essa abordagem, por sua vez, nos eximiria do requerimento por parte dos críticos de se encontrar um padrão objetivo pré-delimitado para se julgar o progresso moral.

Moody-Adams não usa o vocabulário de ‘virtudes’, mas parece que a sua concepção de ‘conceitos morais complexos referidos por termo como justiça, compaixão etc’ se encaixa no que se chama de ética das virtudes. As virtudes seriam conceitos, mas teriam uma ligação ao local (a comunidade que as usa) e são operantes no oferecimento de razões públicas.


Quem?

Moody-Adams segue Walzer para quem as mudanças morais progressivas saem mais de operários da crítica social e luta política do que especulação filosófica que muda paradigmas. Ela define 4 características dos inquiridores morais:

1.Ter um comprometimento pessoal com as consequências diárias dos seus argumentos. Em geral, vindo de resposta à experiência pessoal de uma dificuldade advinda de tratamento raso da moralidade na prática corrente.
2. Estar disposto a assumir grande risco pessoa para avançar as suas causas. Em contrapartida, deve querer minimizar os riscos causados aos outros.
3. Expôr outros a algum risco só será permitido se for um meio moralmente necessário de combater praticas perigosamente rasas e de regresso moral.
4. Estar disposto a usar métodos de persuasão que não são tipicamente reconhecidos pelos filósofos como métodos de persuasão racional.

A pergunta que se segue é se pode um protesto, um costume/ postura ou uma obra de arte ser uma forma de persuasão racional. O mais comum é seguir Stevenson para quem desobediência civil não violenta e exemplo pessoal são formas de persuasão não racional. Mas para Moody-Adams isso não faz jus às evidências. Ela cita a carta de Martin Luther King dizendo que o movimento dos direitos civis queria criar ‘uma tensão na mente’ e ‘crise intelectual’ ao obrigar os segregacionistas a reconhecer as inconsistências entre o ideal democrático da igualdade e a realidade da segregação sancionada por lei.

Se for assim, o papel fundamental é o da reflexão racional e, apenas em um segundo momento, que protestos, panfletos, obras de arte e etc podem servir para divulgar essa reflexão à sociedade. Se isso faz sentido, se confirmaria a necessidade de uma divisão de trabalho entre filósofo e ativista. É claro que a mesma pessoa pode desempenhar ambos papéis, o exemplo mais citado por ela é Sócrates, mas fica claro que são papéis diferente. Isso se segue de as ferramentas eficazes na divulgação serem distintas daquelas utilizadas na reflexão.