Um
fichamento de
The
Idea of Moral Progress, Michele Moody-Adams
A
proposta de Moody-Adams é apresentar uma defesa da possibilidade de
progresso moral sem precisar satisfazer a necessidade, colocada pelos
críticos, de que, para tanto, seria preciso antes ter descoberto um
padrão objetivo com o qual julgar a correção moral. Primeiro ela
mostra o porquê, depois como e, por fim, quem deve fazê-lo.
Porquê?
Segundo
Moody-Adams,
(a)
Conceitos morais como ‘justiça’, ‘liberdade’ e ‘compaixão’
possuem uma profundidade semântica ligada aos estados de mundo ao
qual elas se referem.
(b)
Aprofundar a nossa compreensão desses conceitos consiste em entender
melhor o seu grau de aplicação a um estado de mundo particular.
(c)
O aprofundamento é sempre local já que ocorre em vista de estados
de mundo particulares
(d)
Esses estados de mundo, no entanto, possuem uma complexidade
ilimitada que
(d1)
impede uma compreensão total
(d2)
garante que haverá sempre lugar para aprofundar a compreensão.
(e)
O sucesso no nosso aprofundamento semântico consiste em captar
melhor a nossa experiência daquilo a que o conceito de refere.
(f)
O progresso moral na prática acontece quando um entendimento mais
profundo de um conceito moral é realizado em comportamentos
individuais ou em instituições sociais.
A
partir de um exemplo citado em várias partes por ela podemos
construir uma linha que ilustra o processo:
Veja como (c) é o que devia ser
ultrapassado e que (e) e (f) atestam que (c) foi ultrapassado tanto
na convenção social quanto nas leis (ainda que ocorram violações
dessas que ainda precisam ser combatidas).
Note ainda que d1 mostra que,
apesar do aprofundamento, não se chegou a uma compreensão perfeita
do que é igualdade (social).
Como?
Moody-Adams
adota uma visão não-inovadora e não-principial do progresso moral.
Isso quer dizer que, para ela, o progresso moral não parte de
inovações ou criações de novas ideias morais, mas sim pelo
aprofundamento de ideias morais já correntes. Ademais, o
aprofundamento não deve se guiar pela busca de princípios mais
sofisticados, mas antes pela noção complexa de conceitos morais
correntes. Vamos ver essas duas características separadamente.
Aprofundamento
vs. Inovação
Duas
hipóteses competem para se entender como aconteceria o progresso
moral:
i)
Inovação: para avançar a moralidade é preciso de criar novas
ideias morais. Slote, por exemplo, acha que para questionar a
escravidão e fundar o feminismo foram precisos novas ideias morais.
A fonte dessas inovações seriam os filósofos morais, como o
utilitarismo no século 19.
ii)
Aprofundamento: Moody-adams diz que a maioria dos filósofos morais
apresenta seu processo como reformulações de elementos centrais da
consciência moral do seu tempo. Mill, por exemplo, disse que o
utilitarismo revela os compromissos regulativos da tradição
judaico-cristã que tinha ajudado a definir a moralidade convencional
até o século 19 como ‘amar teu vizinho como a ti mesmo’.
Utilizar
uma abordagem do aprofundamento para entender o progresso moral não
implica que não haja inovação. A diferença está apenas no lugar
em que ela ocorre. Moody-Adams opõe a criação de ideias morais
fundamentalmente novas em (i) à geração de novos insights
morais fundamentados nas ideias morais correntes em (ii). Assim,
aprofundar abre uma nova dimensão à qual não se tinha acesso, mas
sempre fundamentado por ideias que já eram correntes na comunidade
em que elas ocorrem.
É
fácil verificar como a abordagem do aprofundamento se encaixa melhor
no projeto de Moody-Adams.
Em
(e) acima podemos ver que o valor de sucesso (adaptando a noção de
valor de verdade) é fornecido por ‘captar melhor a nossa
experiência’. Ideias morais fundamentalmente novas não teriam
como refletir essa experiência coletiva.
(Os
candidatos para a referência desse ‘nossa’ são dois. Por um
lado, ela afirma que o pedido de progresso moral deve sair de grupos
que, no presente, sofrem com uma concepção injustificadamente
restrita/ excludente de uma noção moral. Por outro lado, esse
‘injustificadamente’ deve ser reconhecido pelos outros (ou seja,
aqueles que não sofrem com essa concepção). Portanto, parece que o
‘nossa’ deve se referir, no mínimo, também a uma vanguarda
moral que adota precocemente os novos insights morais. Infelizmente
isso não é bem resolvido no texto.
Em
(f) encontramos um tipo de medidor de sucesso do progresso moral.
Esse medidor, segundo Moody-Adams, é a mudança de comportamento de
indivíduos ou instituições de modo a aceitar o novo insight moral.
Mais uma vez, esse aspecto combina melhor com uma abordagem de
aprofundamento interno do que inovação externa já que é muito
mais provável que as pessoas aceitem novos comportamentos que façam
sentido em vista das suas noções fundamentais do que rupturas
extremas.
Conceitos
vs. Princípios
Uma
vez que se aceita a posição do aprofundamento como operante no
progresso moral, temos uma subdivisão:
Por
princípios: Raz defende que as unidades inovadoras do processo de
aprofundamento moral são os princípios. Essa postura parece se
encaixar no caso de Mill já que os compromissos regulativos citados
por ele parecem ser princípios, e, mais importante, no utilitarismo
o que guia o desenvolvimento moral é o princípio de, a cada
ocasião, fazer a escolha que gere a maior felicidade em geral.
Por
conceitos: Outra possibilidade é pensar os conceitos morais como as
unidades-base do processo de inovação. Nessa abordagem, se aceita
que esses conceitos possuem uma complexidade irredutível a
princípios básicos ou regras simples. Esses conceitos ou ideias
morais seriam os referentes de termos como ‘justiça’,
‘compaixão’ e similares. Operar com base nos conceitos não
exclui o uso de princípios para se aprofundar na sua compreensão, o
erro seria apenas tentar encontrar um princípio único que dê conta
de cada um dos conceitos (ou deles todos).
Moody-Adams
acredita que operar com base na noção complexa de conceitos é a
melhor opção. Isso se encaixa na constatação de que os estados de
mundo aos quais eles tentam se referir possuírem uma complexidade
ilimitada em (d). Essa abordagem, por sua vez, nos eximiria do
requerimento por parte dos críticos de se encontrar um padrão
objetivo pré-delimitado para se julgar o progresso moral.
Moody-Adams não usa o
vocabulário de ‘virtudes’, mas parece que a sua concepção de
‘conceitos morais complexos referidos por termo como justiça,
compaixão etc’ se encaixa no que se chama de ética das virtudes.
As virtudes seriam conceitos, mas teriam uma ligação ao local (a
comunidade que as usa) e são operantes no oferecimento de razões
públicas.
Quem?
Moody-Adams segue Walzer para quem as mudanças morais progressivas saem mais de
operários da crítica social e luta política do que especulação
filosófica que muda paradigmas. Ela define 4 características dos inquiridores morais:
1.Ter
um comprometimento pessoal com as consequências diárias dos seus
argumentos. Em geral, vindo de
resposta à experiência pessoal de uma dificuldade advinda de
tratamento raso da moralidade na prática corrente.
2. Estar disposto a assumir
grande risco pessoa para avançar as suas causas. Em contrapartida,
deve querer minimizar os riscos causados aos outros.
3.
Expôr outros a algum risco só será permitido se for um meio
moralmente necessário de combater praticas perigosamente rasas e de
regresso moral.
4.
Estar disposto a usar métodos de persuasão que não são
tipicamente reconhecidos pelos filósofos como métodos de persuasão
racional.
A
pergunta que se segue é se pode um protesto, um costume/ postura ou
uma obra de arte ser uma forma de persuasão racional. O mais comum é
seguir Stevenson para quem desobediência civil não violenta e
exemplo pessoal são formas de persuasão não racional. Mas para
Moody-Adams isso não faz jus às evidências. Ela cita a carta de
Martin Luther King dizendo que o movimento dos direitos civis queria
criar ‘uma tensão na mente’ e ‘crise intelectual’ ao obrigar
os segregacionistas a reconhecer as inconsistências entre o ideal
democrático da igualdade e a realidade da segregação sancionada
por lei.
Se
for assim, o papel fundamental é o da reflexão racional e, apenas
em um segundo momento, que protestos, panfletos, obras de arte e etc
podem servir para divulgar essa reflexão à sociedade. Se isso faz
sentido, se confirmaria a necessidade de uma divisão de trabalho
entre filósofo e ativista. É claro que a mesma pessoa pode
desempenhar ambos papéis, o exemplo mais citado por ela é Sócrates, mas fica claro que são papéis diferente.
Isso se segue de as ferramentas eficazes na divulgação serem distintas daquelas utilizadas na reflexão.